sexta-feira, 26 de junho de 2009

P...

... de PEDRO




E então ele começou a escrever, ele que não sabia escrever.

Começar a escrever, parar de escrever, recomeçar a escrever, não parar de escrever, escrever por escrever sem ter nada para dizer, deixar de escrever por ter medo de não conseguir escrever, recomeçar de novo, ter medo de parar de escrever, escrever por não ter nada para fazer, escrever para morrer, escrever para não morrer, escrever só para continuar a escrever.

Porque ele não era um escritor, ele nem sabia escrever e, mesmo que soubesse escrever, que tivesse o talento de saber escrever, como outros o dom de uma voz, ele não podia ser escritor, porque ele, como outros, afinal não podia ser o que quer que fosse, ele que tinha sido várias coisas sem em nenhuma se reconhecer, adiando o seu destino para mais tarde, sempre para mais tarde, o destino que julgara, sim, ser o de escritor e não era.

[...]

Porque ele não era um escritor, ele, afinal e como todos os outros, também não era o que sempre desejara ter sido, quisera mais do que tudo ser, ele, como todos os outros, não sabia quem era, nem podia vir a saber, já que ninguém se reconhece senão aos poucos para depois se desconhecer na ficção de se saber sem saber. Ele, na verdade, nada sabia inventar, nada sabia imaginar e é isso a que se chama ser escritor: criar um mundo que não há e oferecê-lo aos outros para escapar ao que há.

[...]

... de PAIXÃO



Ele, como todos os outros - e esta óbvia constatação mostrou-lhe a sua situação tão irrisória, sim tanto, que não pôde deixar de rir - ele, como ninguém, não pediu para estar aqui. Ele como qualquer um desde o começo, ele estava prestes a morrer. Mas é isso que salva, só isso, acreditava ele.

Ele estava vivo. O que pode acontecer a um que está vivo ninguém sabe. Ele tinha só de continuar a escrever, como outros têm de continuar a viver, no eterno repouso do enigma que faz a nossa miséria e nos traz a nossa grandeza, nem pequena nem grande, incomparável só.

Uma pessoa tem de acreditar em deus por não poder acreditar em nada, é isso, é assim que tem de ser, é assim que é, assim pensou ele antes de voltar a adormecer.

Pedro Paixão
Fotos: Olhares

quinta-feira, 11 de junho de 2009



Uma paixão que não se casa com o amor é um barco sem mar. Permanece, para sempre, como uma idealização (e nada mais) e transforma-se num amor-perfeito que, em vez de nos encaminhar para outras paixões, nos persegue por dentro, e destrói (uma a uma) todas as novas relações, sendo esse o seu lado mais contagioso.

Eduardo Sá

Foto: Olhares